Para que serve o design gráfico?

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Podemos começar por analisar a questão em termos latos. O design gráfico é um tipo de linguagem usada para comunicar. Usamo-la para falar às pessoas sobre coisas que elas querem ou pensam que querem ou que outra pessoa pensa que querem. Mas as coisas não tardam em entrar numa espiral de complexidade.

É uma questão interessante mas, em última análise, bastante estranha. Podemos lançar na conversa a expressão ‘de todo o modo’ e a conversa pára abruptamente, ou podemos tentar enumerar cada um dos elementos e efeitos que são gerados pelo design gráfico, para acabarmos com um projecto de catálogo nas mãos, que mais parece saído de uma história de Jorge Luis Borges.

Poderíamos fazer uma listagem mais específica de assuntos, por exemplo: serve para vender coisas e ideias para ganhar dinheiro ou para ampliar agendas políticas. Mas, nesta altura, podemos tomar consciência de que também serve para criticar esses mesmos compor-tamentos. Serve para esclarecer as coisas – inclusive para salvar vidas – mas também serve para enriquecer a nossa vida quotidiana pela adição de camadas de complexidade, matiz e subtileza. Serve para ajudar as pessoas a orientarem-se e a compreenderem dados, mas também para as ajudar a perderem-se em ideias novas, narrativas fantásticas ou paisagens e para questionar e contestar as informações que são apresentadas. O design gráfico está enredado em todos os aspectos da vida social. Desde os sinais que mandam parar os condutores das viaturas nos cruzamentos e da etiqueta com os dados nutricionais que mostram claramente ao consumidor a quantidade de colesterol contido em determinados alimentos até à sequência de título que capta graficamente a atmosfera e os temas de um filme para acelerar a suspensão da crença do espectador – é a pura diversidade e penetração dos produtos e resultados do design gráfico – bem como as suas contradições inerentes – que resiste a que fiquem presos numa lista para análise.

A própria ideia de que o design tem um objectivo ou serve para alguma coisa no contexto da sociedade no início do século XXI é, em certa medida, anacrónica. Parece pertencer a uma era em que a ideologia e as verdades fundamentais eram possíveis e em que se proclamavam manifestos. Nas primeiras décadas do século XX, muitos designers de toda a Europa e mais tarde dos Estados Unidos abraçaram os princípios do modernismo. Sentiam que era sua obrigação – o dever moral – colocar a força do design atrás do impulso para o progresso social e polí-tico. Criaram sistemas de comunicação como por exemplo os alfabetos Sans Serif de caixa baixa, na esperança de que fossem universalmente compreendidos, melhorando, por isso, as relações internacionais. Exprimiam-se usando uma linguagem gráfica orientada para o futuro que incluía a fotomontagem, tipofotografias e composição assimétrica, não pela atracção estética destes elementos mas porque estas opções decorriam directamente de um espírito de missão profundamente sentido. Os manifestos, os escritos e a obra destes modernistas definiram um novo e duradouro papel para o design gráfico como medium cuja formação estava ligada às revoluções políticas das primeiras décadas do século XX e como uma ferramenta, cuja finalidade era o progresso social.

Durante a Segunda Guerra e o pós-guerra, o design gráfico na Europa e nos E.U.A., pelo menos, tinha um papel claro e premeditado: proporcionar, em benefício dos governos, de-sign para propaganda, camuflagem e informa-ção às forças armadas e aos civis. Na Grã-Bretanha, muitos designers estiveram envolvidos nos vários esforços da nação para reconstruir serviços públicos e melhorar a qualidade de vida. Tom Eckersley, por exemplo – designer britânico de cartazes que desenhou mapas para a RAF durante a Segunda Guerra – produziu, durante as décadas de 1940 e 1950, numerosos cartazes para a promoção do bem-estar e da segurança dos trabalhadores. F.H.K. Henrion, um designer alemão que emigrou para a Grã-Bretanha em 1939, foi o autor de campanhas sobre a saúde e o racionamento para o Ministério da Informação britânico. E Abram Games, que mais tarde criaria identidades definidoras de uma era para o Festival da Grã-Bretanha e para a BBC, desenvolveu a sua capacidade como designer enquanto trabalhava para o Ministério da Guerra, produzindo cartazes para o Auxiliary Training Service (ATS – ‘Serviço de Treino de Auxiliares’). Entre os mais memoráveis desses cartazes encontra-se Your Talk May Kill Your Comrades (‘A Tua Conversa Pode Matar Camaradas Teus’), que representa a transformação das palavras de um soldado que saem em espiral da sua boca aberta para terminarem numa baioneta sangrenta que perfura os corpos de três outros soldados seus camaradas.

Nos E.U.A., Charles Coiner criou o símbolo da Águia Azul para a National Recovery Administration (‘Administração da Recuperação Nacional’), a agência federal criada durante o mandato do presidente Franklin D. Roosevelt para incentivar a recuperação industrial e combater o desemprego e, durante a Segunda Guerra, criou cartazes através da Office of War Information (‘Informação do Ministério da Guerra’) destinados a aumentar a produtividade laboral e incentivar as poupanças. Esta relação íntima entre o design e as políticas socialmente progressivas de governos, serviços públicos e até das principais empresas da época continuou até muito depois do fim da guerra.

Na actual sociedade descentralizada, a responsabilidade das mudanças sociais e do progresso passou, contudo, a recair sobre os indi-víduos e pequenos grupos, entidades sem intuitos lucrativos e publicações. Por conseguinte, as mensagens são mais numerosas e mais complexas. Como é evidente, muitos designers são politicamente motivados e trabalham sob controlo para uma diversidade de causas sociais, mas, como salientou o crítico de design Rick Poynor, ‘Os designers exprimem inevitavelmente os valores do seu tempo. E os valores actuais não tratam essencialmente de responsabilidade social.’

As questões que preocupam os profissionais contemporâneos incluem: manter uma distância desapaixonada e irónica do tema em análise; a celebração de fenómenos como o quotidiano, a ambiguidade, a complexidade e mesmo a ausência. Também é evidente o questionamento espalhafatoso de um modelo de comunicação tradicionalmente reverenciado, no qual o designer assume a posição de autor, disseminador ou gerador de mensagens, sendo a audiência um receptor ou um consumidor passivo de mensagens.

O objectivo do design gráfico é comunicar com pessoas: audiências, espectadores, leitores, utilizadores, receptores, visitantes, participantes, interagentes, actores, transeuntes, experimentadores, elementos do público, comunidades, habitantes, consumidores, assinantes e clientes. Deparamo-nos com design gráfico como grupos – pequenos, como comunidades locais ou grupos com interesses especiais, ou grandes, como populações e consumidores globais. A extensão da interacção dos designers com estas pessoas – as suas audiências – varia de forma impressionante. Alguns não dão a menor importância à audiência e criam o design para si próprios. Uns criam o design para outros designers. Alguns criam o design para servir a concepção que um cliente tem da audiência. Outros descobrem por si próprios quem serão os destinatários do seu traba-lho, o que os atrai e por vezes vão mesmo buscar a sua fonte de inspiração e incorporam-na na obra. Encontraremos designers de todas estas áreas nas páginas deste livro e, através da sua obra e do seu pensamento, examinaremos os temas que são de importância decisiva no design actual e, o que é ainda mais importante, para as pessoas que lidam diariamente com ele.’

 

Fonte: Criatividade Visual

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